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MUNDO
Para quem não sabe, detesto chavão.
Frase feita empobrece demais o texto, denota pouca leitura. Quando um deles escapa, não me contenho. Na redação, era vir o chavão de lá pra eu completar daqui, esbravejando: “Pistas escorregadias é a mãe! “Água mole em pedra dura é o cacete!” “Pelos quatro cantos da Terra? Só se for no mundo dessa besta quadrada dos infernos!” É o meu jeitinho – a turma já conhece, nem assusta mais. Nessa linha, várias vezes disse ao repórter para, ao escrever, “levar em conta a burrice do outro lado”. Modo bem gráfico e delicado de alertar o escriba a ser absolutamente claro, não dar margem à dupla interpretação, escolher bem as palavras, e – talvez o mais complexo – pensar bem antes de escrever. Meu velho chefe Fernandão (Vieira de Mello) dizia: “Pensa, filho. Depois, pensa de novo e mais uma vez. Pensa até doer.” Escrever para ser ouvido ou visto pela massa é tarefa complexa. Temos que levar em conta que chegamos ao mesmo tempo a todo tipo de gente: velho e jovem, gênio e jênio, doutores e quem não teve a chance de estudar, interior e capital, norte e sul, homem e mulher, crente e ateu, algoz e vítima. Exemplinho besta: fizemos na TV Miramar uma reportagem sobre como Moçambique está ( ou não está) preparado para detectar e agir em caso de tsunami. Bem feitinha a matéria. Pois, no dia seguinte, teve rádio dando que havia uma alerta de tsunami “em vigor” para o país. O jênio viu a matéria, entendeu lá do seu jeito e saiu vociferando por aí. Afora o mau jornalismo (os caras nem checaram a informação), serviu de alerta para mim. Mesmo a matéria estando certa, em um país em que nem todos falam bem o português, é preciso ter muito cuidado mesmo. Se for irônico no texto, que deixe muito claro. Aliás… evite. Nem todos entendem, e, entre os que entendem, nem todos vão gostar – por serem o alvo da ironia. Se não tiver certeza do que vai dizer, não diga. Como o público é grande, sempre alguém lá do outro lado vai ter. Se for atacar os outros de propósito, saiba que vai ter que sustentar sua tese. Vai ganhar alguns aplausos, mas as vaias podem ser maiores. E, ó: se injuriar, caluniar, difamar alguém, vai dar processo. Aguenta depois. Mimimi é a mãe. Intenet? Ainda é cara, pra alfabetizados, mas circula muito mais que cartinha pra amigo, comentário na roda de bêbado e até que jornal impresso. Chega “aos quatro cantos da Terra”, como diria um supracitado. Não sabe brincar? Guarda os carrinhos, querido. Na internet, quem lê algo que gosta, ou não gosta, faz outros saberem daquilo. Sem contar que, por ser uma rede, a coisa circula até quando não se quer. É um blog, que tá pendurado num serviço, que tá conectado num servidor, que junta num outro troço, que está num portal imenso, que dá link prum outro trem. É só dar um tempinho pra roda girar. E, se você escreveu bobagem – ou não entende como essa roda gira – o trem passa por cima de você. “Não me julguem por um único texto”, “Não foi isso que quis dizer”, “Meus amigos sabem que não sou racista”, “Não sou homofóbico – até tenho um amigo gay” é o cacete, fio. Da próxima vez, leve em conta a burrice de quem lê. Mas, por favor, considere a inteligência também. Post Scriptum (é o que quer dizer PS, seu jênio): A idéia pra este texto aí veio de uma conversa tuítica com a insone Carolina Mendes, do “Carolina, Minha Filha! e outros quatrocentos blogs. Todos interligados. Eduardo Castro
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_A Suazilândia é a única monarquia absolutista da África. O país é bem pequeno – quem entra nele, de carro, pela fronteira com Moçambique, chega do outro lado, na África do Sul, em apenas três horas.
Um milhão de habitantes dividem o espaço com uma bela paisagem, leões, rinocerontes, macacos, búfalos, enormes plantações de cana de açúcar. E com a família real. Dividem o espaço, mas não a riqueza. De cada três suazis, dois vivem com menos de um dólar por dia. Dificuldade, é evidente, que não atinge o rei ou seus familiares. Assim, ser da família real (na Suazilândia e em qualquer outra parte que ainda tenha família real, diga-se), acaba sendo um bom negócio. Ponto, parágrafo. Na última semana, milhares de jovens reuniram-se para uma cerimônia que se repete há 25 anos. As meninas do reino suazi dançam e homenageiam a Rainha-Mãe. Trazem para ela caniços (longos bambus) que servirão para adorno e segurança do palácio em que ela vive. A festa também celebra a unidade nacional e a pureza das jovens – é o que diz o texto que recebemos do Ministério do Turismo. As garotas – 80 mil, segundo a casa real – vêm de todo reino. Recolhem os caniços em um ponto pré-determinado, carregam os feixes a pé pela estrada, trazem os presentes até o palácio da Rainha e dançam em um estádio montado só parta a ocasião. Tudo isso leva oito dias (como a Sandra explicou em detalhes aqui, no Mosanblog). O rei participa dos dois últimos, ao assistir às danças e anunciar se, desta vez, escolherá uma das meninas para ser sua próxima esposa. Ele já fez isso 13 vezes. Ponto, parágrafo. Será que é muito diferente que preparar seu menino de nove anos para um empresário levá-lo pra jogar na Europa? Ou a sua garotinha para a agência de modelos, que fará dela uma estrela dos próximos comerciais, do concurso de miss, do programa de humor ou do estábulo do próximo reality? Sei não. Ponto final. Eduardo Castro _Durante muito tempo, o Cabo das Tormentas era considerado o fim do mundo.
Hoje, nem o fim da África é mais – os mapas agora mostram o Cabo Agulhas como o ponto mais ao sul do continente. Mas a história ficou. Os naufrágios também. Aqui, na pontinha da África do Sul, as ondas batem firme, a água é esverdeada e o vento é muito frio e forte. Esse vento que virava barcos e matava tripulações inteiras ganhou vida na literatura: é o Gigante Adamastor, dos Lusíadas de Luis de Camões, que atacava quem tentava invadir seus domínios, no Oceano Índico, aqui pelo Cabo – hoje conhecido pelo nome de “Boa Esperança”. O nome ficou mais ameno. Mas os ventos continuam assustadores. Fomos ao fim do mundo durante nossa visita à Cidade do Cabo. E também estivemos em outro lugar que representa bem o fim do mundo, o fim da picada, mas – paradoxalmente – é o berço de uma história fantástica e um trajeto inigualável: o longo caminho para a liberdade, vivido por Nelson Mandela (a expressão, inclusive, é o título da autobiografia dele). Condenado à prisão perpétua por lutar contra o apartheid, Mandela passou 18 anos aqui – numa cela de dois metros por três, num pátio do tamanho de uma quadra de tênis e numa mina de calcário, local dos trabalhos forçados. Ele, e seus colegas de prisão, fizeram da injustiça combustível para mudar seus destinos e o do país, e transformaram este cenário numa verdadeira universidade. Hoje, aos 93 anos, Mandela passou de “perigoso terrorista” a ídolo de todos. Ao chegar ao poder, deixou de lado qualquer desejo de vingança e governou para verdadeiramente integrar e reconciliar o país. A África do Sul de hoje está longe de ser o paraíso na Terra. Mas também está longe do que foi por muito tempo – um estado racista e desumano. Um verdadeiro fim de mundo. Eduardo Castro Ifraim até que fez bem sua parte: logo cedo, na segunda-feira fria, recebeu os turistas com um sorriso, para o tour no Soccer City (aliás, agora é FBN Stadium – ganhou nome de banco). Ele é segurança desde o começo da obra – sabe tudo sobre a construção, jogos, história. Cobrou 250 rands (60 reais) pelo passeio de dois adultos e um estudante. Já mesmo na entrada, deu um recibo escrito à mão, mas não tinha 10 rands de troco.
Mas valeu, pela simpatia dele. Contou detalhes da construção, do sacrifício de um bezerro no meio do campo para acalmar os espíritos, dos sistemas de rega da grama e de câmeras de segurança, do teto italiano que não protege ninguém da chuva. Ifraim valeu o ingresso. Fomos aos vestiários, às luxuosas tribunas, sala de conferências, subimos ao campo pelo túnel principal. Enfim, o que se espera de uma visita a um estádio de futebol com uma história curta, ainda que estrelada. Uma bela obra de arquitetura, sem dúvida. Mas, para ver, mesmo, pouco. Um quadro no saguão, com os “Big Five” (Pelé, Maradona, Beckembauer, Zidane e (!) Geoff Hurst) é a maior referência histórico/artística do lugar. Mais ou menos no nível da final da Copa daqui, que não foi exatamente uma obra prima. Junto a uma grande maquete e algumas fotos que fazem referências à abertura e à final da Copa, imagens dos dois eventos que mais encheram o lugar no ano passado: shows do U2 e de Neil Diamond. “Tem jogo aqui ainda?”, pergunto. “Sim”, diz o Ifraim. “Em algumas semanas tem até quarta e sábado – futebol e rugby.” Em uma semana se completará um ano da final da Copa de 2010, aqui mesmo. Em volta do estádio, a mesma poeira de um ano atrás, mas, claro, muito menos movimento. Aliás, nenhum movimento. Nas pistas em volta do Soccer City, ninguém, nem a pé, nem de carro. Vias novas, largas e vazias. Os semáforos estão desligados até. Alguns foram mesmo desativados, e, deitados no chão, esperam pelo tempo passar. Ali perto, uns dois quilômetros, se tanto, fica o Museu do Apartheid, que visitei pela quarta vez. Foram 150 rands (32 reais) para nós três – eu, minha esposa Sandra e meu sobrinho Guilherme. Ficamos três horas lá dentro, vendo fotos, filmes, documentos, lendo, conversando. Só saímos quando fechou. É claro que uma coisa não se compara à outra. Mas são atrações turísticas, que cobram, creio, com base no necessário para se manter. Vi que, neste primeiro ano, até que foi bom o volume de visitas (e dinheiro) obtido com turismo no Soccer City (fiz referência sobre isso em outro texto sobre obras da Copa na África do Sul – olhe aqui). Mas, será que, com o tempo passando, o interesse será o mesmo? E os jogos aqui, quantos serão? Bem perto, o outro estádio de Joanesburgo na Copa, o Ellis Park, segue funcionando, com “jogos até duas vezes por semana”. Lá, por sinal, nem se cobra pelo tour – que nós também fizemos. Um estádio menor, menos imponente, mas com muito mais história. Afinal, além de várias finais regionais, foi ali que os Springboks ganharam o Mundial de Rugby de 1995, com Pinnard em campo e Mandela na arquibancada, como contado no filme Invictus. Não sou contra Copa (como poderia, depois de estar em três?), nem acho que não se pode dar a ela o peso que a FIFA quer, nem as culpas que os críticos impõem. Copa cria emprego e negócios para poucos (os de sempre), não revoluciona cidades ou acaba com seus problemas. Gera, isso sim, algumas obras, um movimento econômico/imagético temporário e um ganho na auto-estima que, se bem aproveitados, podem ter efeitos extraordinariamente positivos. Mal aproveitados, terminam em estádios vazios, cercados de enormes pistas, semáforos desligados. E uma grande desilusão. Ainda hoje ouvi que uma das “jóias” do Euro 2004 foi colocado à venda no fim de semana. O estádio do União de Leiria, em Portugal, custa mais de um milhão de euros por ano. A cidade não aguenta mais pagar essa conta. Feito para a competição, ele “se pagaria”, com shows, tours, jogos, eventos. Não deu. Já Londres comemora o “legado”: o bairro do parque olímpico de 2012 já está parcialmente revitalizado, com estações de metrô melhoradas, ruas renovadas. O maior shopping center da Europa fica ao lado do Parque Olímpico, e vai gerar 10 mil empregos. Que o sorriso de Ifraim, lá no Soccer City, dure por muitos anos. Que ele não tenha, daqui um tempo, vontade de mudar para Londres (ou para o Rio, quem sabe). Nem ter de pedir emprego ali perto, no Museu do Apartheid. Pra fechar, fotchinha para os coleguinhas. Amigos, abaixo, a real Mandela Square, sem tenda da Sony. Depois que passa a Copa, a vida volta ao normal. Eduardo Castro |